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Resenha do livro "A pesquisa sociolinguística"

Ana do Valle


TARALLO, Fernando Luiz. A pesquisa sociolinguística. ed. 8. São Paulo: Ática, 2007.


As correntes formalistas, precursoras à funcionalista Sociolinguística, compreendiam a língua como um sistema homogêneo, estático e uniforme e a separavam da fala, que consideravam caótica. No entanto, no livro "A pesquisa sociolinguística", o linguista Fernando Luiz Tarallo aborda que tal percepção é devido ao desconforto sentido pela mente humana ao se deparar com aquilo que não se consegue prontamente processar, analisar e sistematizar (TARALLO, 2007, p. 5 § 1). O que é chamado de "caos linguístico" nada mais é do que a ocorrência de formas de variação linguística, também chamadas de variantes linguísticas.

Devo, então, começar por explicitar que a variação linguística — objeto de estudo da Sociolinguística — é natural e inerente a todas as línguas. Mas o que é a variação? Segundo o autor, sua definição é de "duas (ou mais) maneiras de dizer a mesma coisa" (TARALLO, 2007, p. 5 § 2), sem alterar seu sentido original. Possuindo um objeto de estudo definido, é possível, a partir disso, levantar hipóteses e definir a construção do modelo teórico-metodológico. Esta corrente, ainda, privilegia o estudo da variação utilizando-se da fala em detrimento da escrita, pois a língua falada é o vernáculo, "é o veículo linguístico de comunicação usado em situações naturais de interação social" (TARALLO, 2007, p. 19 § 1). Desse modo, as variantes ficam mais explícitas, diferentemente do que, muitas vezes, ocorre na modalidade escrita, já que a norma-padrão tende a uniformizá-las.

As variantes, diferentemente do que muitos pensam, são passíveis de sistematização, pois possuem regras internas. Para isso, é necessário um levantamento de dados linguísticos, descrição detalhada da variável — que o autor chamou "envelope da variação", tendo em vista que variável é o conjunto de variantes —, análise dos fatores condicionadores — para saber que contextos são favoráveis ou inibidores para o aparecimento de determinada variante —, encaixamento da variável — características linguísticas e extralinguísticas nas ocorrências —, além do uso simultâneo da sincronia e da diacronia — ainda que esta última, por muitos anos, tenha sido rejeitada pela Linguística. O resultado desta complexa análise propiciará a formulação de regras gramaticais, que não poderão ser categóricas, optativas ou obrigatórias, pois são regras mutáveis, considerando que se trata de um sistema linguístico de probabilidades (TARALLO, 2007, p. 11 § 3).

Feita esta sistematização, é possível trabalhar com a relação das variantes umas com as outras em sociedade. Afinal, existem as possibilidades de duas ou mais formas de variação coexistirem (gerando a contemporização) ou "lutarem até a morte" (gerando a mudança linguística). Inclusive, a diferença entre as expressões "mudança linguística" e "variação linguística" é algo que confunde muitas pessoas. O autor tenta esclarecer: "nem tudo o que varia sofre mudança; toda mudança linguística, no entanto, pressupõe variação" (TARALLO, 2007, p. 63 § 1).

Contudo, para fazer suas análises, essa corrente necessita de abundantes dados linguísticos. Para tal, é imprescindível que o pesquisador participe diretamente da interação de coleta de dados com o seu possível entrevistado voluntário. No livro, o linguista nos conta todos os passos fundamentais para a obtenção de um material de qualidade: a começar por um bom gravador, pois a qualidade sonora é essencial; possuir parâmetros rígidos e específicos para a seleção dos entrevistados; critério de amostragem aleatória (ou seja, qualquer um, de determinada comunidade, poderá ser escolhido, desde que esteja dentro dos pré-requisitos estabelecidos no passo anterior); o pesquisador deverá se inserir na comunidade através de terceiros, que já tenham convívio com as pessoas daquele ambiente; também deverá atenuar suas variantes linguísticas ao máximo, de modo a adequar-se às do interrogado; não mencionar a palavra "língua" e derivados, evitando a inibição dos voluntários; avisar que a gravação pode ser excluída a qualquer momento, caso o entrevistado assim o queira; fazer perguntas de cunho emocional, para que a pessoa se preocupe tanto com o que vai dizer que se esqueça do como dizer.

No decorrer do livro, é apresentada uma série de exemplos ao leitor para ilustrar as explicações do autor. Um muito curioso, que chama bastante a atenção (a mim chamou!), foi o de como funciona a variação linguística no plural do espanhol panamenho e porto-riquenho. No capítulo "A relação entre língua e sociedade", Tarallo mostra que os sintagmas nominais podem possuir marcação de plural "s" ao final de todas as suas palavras constituintes ou não, às vezes possuindo em apenas algumas, até mesmo em apenas uma (o artigo). Além disso, há também a possibilidade de o plural ser demarcado pela terminação em "h", substituindo o "s" da norma-padrão. Outro fato interessante é como o artigo sempre recebe a marcação de plural, independentemente de qual seja ("s" ou "h), independente dos outros elementos linguísticos receberem ou não. Toda essa questão é muito útil de ser apresentada, para percebermos que a variação acontece em qualquer idioma e, inclusive, de forma muito similar ao português — ainda que, obviamente, haja diferenças. Toda essa pesquisa sociolinguística é muito importante, inclusive para o aprendizado de idiomas — além da tentativa de quebra de estigmas linguísticos, tendo em vista que todas as variantes podem ser sistematizadas, sejam ou não as de maior prestígio social.

Um ponto negativo do livro, porém, foi a sua organização, que pareceu levemente confusa. Várias definições começadas quase que do meio, inserindo termos que não foram explicados antes, para depois virem os novos, e só então a explicação daqueles primeiros. Desse modo, isso pode dificultar um pouco a compreensão, principalmente para quem for leigo na área e pegar o livro na intenção de se iniciar nesse mundo da teoria sociolinguística. No entanto, isso não diminui a qualidade e importância da obra, que continua se apresentando como um grande referencial na área. Trata-se de uma leitura, portanto, muito recomendada a quem, assim como eu, tenha interesse no tema e nas discussões da Linguística de forma geral, principalmente as da área funcionalista.

Por Ana Caroline do Valle

(Graduanda em Letras-UERJ e membra da equipe do projeto PL&E)



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